Artigo da presidente do Coren-RJ no jornal O Dia


09.03.2019

Nada de homenagens: queremos nossos direitos

Ana Lúcia Telles Fonseca fala sobre os direitos das enfermeiras diante da Reforma da Previdência

Neste ano, o Dia Internacional da Mulher vem na vazante da ressaca carnavalesca e vibra numa tensa expectativa da reforma da Previdência. As previsões apontam que as mulheres terão que envelhecer muito para gozar do benefício da aposentadoria, que pode aumentar a idade para 62 anos e talvez até mais tempo de contribuição. Mulheres, esses seres “inquebráveis” que atuam em duplo (ou mais) expediente desde cedo, em casa e no serviço, não serão contempladas com sensibilidade e justiça pelos construtores da reforma.

Há mulheres que serão ainda mais sacrificadas, cuja sobrecarga de trabalho deverá causar graves reflexos na vida de toda a população: as profissionais da enfermagem. Convido os leitores a praticar um exercício de observação sobre a rotina destas mulheres que compõem a maioria da maior massa de trabalhadores da saúde brasileira. Quem são estas pessoas que cuidam de pessoas? Elas estão saudáveis para tal? O conforto do paciente e a qualidade da assistência prestada estão intimamente ligados à saúde física e mental da profissional que os cuida à beira do leito, 24 horas por dia. Esta trabalhadora deveria ser contemplada com a aposentadoria especial de 25 anos de contribuição. Afinal, e se ela errar?

A classe da enfermagem é composta majoritariamente por mulheres que atuam na assistência e na docência. Segundo a pesquisa Perfil da Enfermagem de 2015 (Cofen/Fiocruz), mais de 80% da categoria é feminina. O número indica que a atuação da mulher nesta profissão acontece por algo raro e precioso: vocação atávica e genuína para oferecer cuidados aos seus semelhantes.

Na enfermagem não há facilidades ou vantagens financeiras; trata-se de atividade cansativa, complexa e nada lucrativa. A escolha por esta carreira seria a consciência da importância do seu labor para a redução do sofrimento, algo tão imperativo, e que faz da enfermagem a mais humana das profissões. Na essência, isto seria o tão falado empoderamento feminino – aqui, tão invisível ou deturpado.

A assistência da enfermagem inclui da administração de medicamentos ao banho no leito. Mas é acima desta rotina que testemunhamos o espetáculo do cuidado, construído da observação-atenção, do olhar treinado para detectar o risco ao paciente, e na eficiência das tomadas de decisão e providências nos momentos críticos. E salvam vidas. Após os 60 anos de idade na labuta, ainda teremos esta aguda sensibilidade?

Essas mulheres, por mal pagas, têm que trabalhar em turnos exaustivos e em duas ou três instituições para se sustentarem e às suas famílias. É imperativo que atualizem seus conhecimentos, invistam e avancem nos estudos para garantir a segurança na assistência ao usuário do sistema de saúde. E, acreditem, estas profissionais, na maioria das vezes e locais, não contam sequer com um lugar digno para um rápido descanso onde trabalham. Fora que ainda têm que se submeter ao preconceito do senso comum, que as identificam numa escala hierárquica como inferior a outros profissionais da saúde, quando são elos de uma equipe multidisciplinar equânime.

Após esta leitura, vocês acreditam que a profissional da enfermagem conseguirá trabalhar até envelhecer oferecendo segurança e bem-estar aos doentes? Como estará a sua saúde, física e mentalmente para cuidar da população? Por isso tememos que tudo piore com a retirada dos direitos. Para todos e todas nós.

Neste dia 8 de março, não queremos homenagens, flores ou bombons: exigimos empatia, solidariedade e respeito à nossa importância para a saúde de todos. Incluindo a dos políticos, juízes, médicos, empresários…

Ana Lúcia Telles Fonseca é presidente do Conselho Regional de Enfermagem – Coren-RJ

 

Leia na íntegra – https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/03/5625187-nada-de-homenagens–queremos-nossos-direitos.html

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