Ato de Desagravo Público à enfermeira que se recusou a vacinar promotor fora do grupo prioritário


04.11.2022

 

 

Era o Dia Nacional dos Enfermeiros. A data, 12 de maio de 2021, quando a vacinação contra a Covid-19 ocorria dentro de rígido calendário, elencando por idade e favorecendo grupos prioritários compostos por pessoas com comorbidades, doenças crônicas, deficiências físicas, com síndrome de Down e transtorno do espectro autista, entre outros. O local era o posto de imunização montado no Jockey Clube da Gávea, capital do Rio de Janeiro. De lá, a enfermeira Luana Gomes da Silva foi levada para delegacia por se recusar a vacinar um promotor de justiça que não pertencia ao grupo prioritário. Houve desentendimento, reação agressiva por parte do promotor e o Boletim de Ocorrência foi registrado na 15ª Delegacia Policial, onde Luana Gomes formalizou junto à Justiça uma queixa-crime contra André Guilherme por grave ofensa à honra.

Membro do Ministério Público, André Guilherme Tavares de Freitas tentou se imunizar com base em decreto estadual, alegando ser pai de um menino autista. De acordo com decreto estadual, cuidadores de pessoas com autismo e Síndrome de Down poderiam ser vacinados. Porém, os municípios têm autonomia para seguir o Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, que não contemplava esse grupo. A profissional somente cumpriu o que exigia o Plano Nacional de Imunização e o calendário do município do Rio: a não aplicar a dose da vacina contra a Covid-19 em qualquer pessoa fora do grupo prioritário e do calendário vacinal. 

O Desagravo

Em cumprimento ao artigo 8 do Código de Ética dos profissionais de Enfermagem, aprovado na Resolução 564- 2017 , e ao artigo 5 da Resolução Cofen 433- 2012, o pedido de desagravo foi analisado e deferido pelo plenário do Coren-RJ em 07 de abril de 2022, em favor da enfermeira. A Cerimônia de Desagravo Público foi realizada na quinta-feira, 03/11/2022, no Centro de Estudos e Capacitação da Enfermagem Fluminense (CECENF), na Glória. A relatora do Desagravo Público foi a diretora do Coren-RJ, enfermeira Cristiane Bernardo. A mesa solene foi composta por autoridades, presidida pela presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro (Coren-RJ), Dra. Lilian Behring; o diretor Leilton Coelho; a assistente social Wanessa Costa (que testemunhou a cena de desrespeito contra a enfermeira) e a enfermeira Dra. Maria Helena Carneiro de Carvalho, à época coordenadora da CAP 2.1 . Conselheiros de várias regiões do Rio de Janeiro prestigiaram a solenidade.

Após o discurso de desagravo proferido pela diretora Cristiane Bernardo, a presidente Lilian Behring declarou: “Com base na RESOLUÇÃO COFEN Nº 433/2012 cabe como presidente deste regional informar à senhora: Art. 5º O anúncio de divulgação do Conselho de Enfermagem determinará a notificação do Conselho de Desagravo no eletrônico ou de órgão de divulgação deste regional e envio Conselho Federal de Enfermagem, e também da divulgação ao Conselho de Ofensor e às Direções caso este ocupe cargo público”.

A relatora Cristiane Bernardo e a desagravada ao lado da presidente Lilian Behring

 

Leia abaixo a íntegra do discurso da relatora do Desagravo Público, a diretora do Coren-RJ, enfermeira Cristiane Bernardo:

 

 

Quem viveu uma pandemia com toda intensidade, cuidando da vida da população, tentando garantir a vitória na luta insana contra esse vírus cruel, sabe da beleza e da importância deste dia: enfim, a vacinação chegou ao estado do Rio de Janeiro. O primeiro caso confirmado em território brasileiro e na América Latina ocorreu em 26 de fevereiro de 2020. Desde então, os profissionais da Enfermagem têm se destacado por atuar na linha de frente à prevenção e ao combate da doença, buscando a mitigação da pandemia. Não senhores, a vacina não chegou para todos ao mesmo tempo! Infelizmente, nós, da linha de frente, precisávamos gerenciar o caos.

Segundo a Lei Magna 8080/90 do SUS, a vacinação realmente é um direito de todos, um direito que precisamos gerenciar as prioridades da população. A vacina demorou muito a chegar no braço da população, inclusive para nós técnicos, auxiliares e enfermeiros; saímos de casa todos os dias para luta, sem armas, sem vacinas e insumos. 

E a enfermeira Luana estava lá…. Dia 12 de maio, data escolhida e dedicada em louvor a essa categoria tão sofrida. Dia em que nossa colega de profissão saiu de sua residência para se dedicar a salvar vidas. E recebe uma ordem pedante e arrogante de prioridade, sem embasamento e planejamento dado ainda pelo órgão responsável naquele momento, que era a Secretaria Municipal de Saúde.

Temos mais de 500 anos de história: uma terra onde tem palmeiras onde canta o sabiá, onde seu povo acolhedor, comunicativo, dançante e alegre recebe a todos com harmonia. Porém, ainda persiste entre nós a velha cultura nada republicana, e a velha pergunta: você sabe com quem está falando? A enfermeira Luana sabia com quem estava falando, sim senhores. Ela sabia para quem estava recusando a vacina! Mas isso não mudou sua visão profissional de equidade, e ela sabia

muito além de com quem falava. Luana estava falando para quem estava defendendo e representando mais de 16 milhões de fluminenses. E não prevaricou com seu exercício profissional, e não cedeu à pressão, mesmo sob forte ameaça, inclusive à sua integridade física, sendo levada coercitivamente até a delegacia.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, do momento da confusão e discussão sobre se deveria ou não ser aplicada a vacina, até a ida da responsável à delegacia, a imunização no posto do Jockey Club foi suspensa, causando danos incalculáveis a um grupo de pessoas que não podemos supor. Havia muitos fantasmas em torno da vacinação. Naquele momento, e uma vez recusada por uma briga ou má interpretação do direito e do dever, quantos cidadãos comuns foram prejudicados e não se vacinaram?

Chega! Não vamos nos calar! Não vamos aceitar mais abusos e agressões contra a nossa Enfermagem! Nenhuma agressão, física ou psicológica, jamais será justificável.

Segundo o Conselho Federal de Enfermagem, mais de 70% dos profissionais já foram, de alguma forma, agredidos. Uma pesquisa feita pelo Coren-SP, “Sondagem sobre Violência aos Profissionais de Enfermagem” demonstrou que 87,51% dos profissionais não registram queixa à polícia; 12,49% não levam o caso adiante; 4,68% obtêm sucesso na resposta.

Parabéns Luana, nos felicitamos com sua bravura, coragem e honradez por não se dobrar aos títulos, conceitos de favorecimento ilícitos tão difundidos no Brasil.

Parabéns, por manter-se firme no seu juramento de salvaguardar o direito à saúde da população como um todo.

 

 

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